SEM O REPÚDIO AOS FUNDAMENTALISTAS, A OBSERVÂNCIA DOS DIREITOS HUMANOS NÃO PASSA DE SONHO E ILUSÃO
Durante um ano o mundo voltou os olhos para o Afeganistão para ver se a derrubada dos exeterminadores talibãs se faria seguir por um governo antitalibã e anti-tirania religiosa. Mas todas as esperanças e aspirações de nosso povo e de todos os povos do mundo amantes da liberdade transformaram-se em desilusão e desespero quando viram que o poder do Afeganistão tinha sido dado pelos Estados Unidos e seus aliados aos exterminadores fundamentalistas da "Aliança do Norte" que são ainda mais sanguinários, abusivos e hostis aos direitos humanos que os talibãs.
A "Aliança do Norte" fez sua prova de 1992 a 1996. Basta dizer que as brutalidades e canalhices dos bandos Jehadi durante estes anos, que foram os mais sombrios da história do Afeganistão, chegaram a tal ponto que nosso povo se esqueceu dos bombardeios, das execuções em massa e da asfixia sanguinária dos invasores russos e de seus lacaios parchami.
Portanto, não é de surpreender que, no ano passado, não tenhamos visto nenhum sinal significativo de estabilidade, fim da guerra, segurança ou reconstrução da vida e da economia do país. Muito ao contrário: agora a comunidade mundial também percebeu que, graças ao predomínio de criminosos profissionais no governo, os casos horripilantes de violações dos direitos humanos, ataques a mulheres, a sombra medonha da tirania religiosa, a promoção das diferenças religiosas e étnicas e o poder de comandantes militares que são simples marionetes ainda existem no Afeganistão.
A manifestação dos estudantes da Universidade de Cabul foi recebida a bala e a conseqüência foi o derramamento do sangue de Ghafar, Rahim e outros. O incidente, que é uma cicatriz humilhante na testa dos fundamentalistas e seus cúmplices, mostra por si como esse governo é frágil e indigno de confiança, um governo que fica constrangido e amedrontado por uma simples manifestação em favor do fornecimento de água, eletricidade e comida.
Desde que Karzai entrou em cena, a RAWA (Associação Revolucionária das Mulheres do Afeganistão) tem advertido que o domínio da "Aliança do Norte" é uma mancha na imagem do governo. A mera criação de várias comissões e a indicação desta ou daquela mulher para ministra ou dirigente não vai adiantar nada. É somente com o repúdio seguido de julgamento dos fundamentalistas que nosso povo, principalmente nossas malfadadas mulheres, vão se sentir seguras e calmas, e que a reconstrução do Afeganistão coberto de túmulos vai poder se concretizar.
Os Estados Unidos e o Ocidente estão falando de guerra contra o terrorismo e até que suas atividades foram um sucesso relativo. No entanto, quase todas as operações terroristas diárias, o assassinato de dois ministros e a tentativa de matar Karzai, a continuidade do desmando e do roubo, as escaramuças entre os comandantes militares e o estancamento do processo de reconstrução, etc., provam que suas afirmações estão erradas. Eles precisam saber que o terrorismo da Al-Qaida e de seus congêneres, tanto no Afeganistão quanto no resto do mundo, não vai acabar enquanto não deixar de receber apoio de governos e grupos fundamentalistas de todos os cantos do globo e, em seu lugar, houver um apoio efetivo às forças que amam a democracia. E o primeiro passo nessa direção é pôr um fim ao apoio aos criminosos Jehadi no Afeganistão.
O sr. Karzai faz o maior alarido ao pedir ajuda do Ocidente. Mas não pensa na presença dos corruptos e dos elementos Jehadi de seu governo. A comunidade mundial precisa prestar a maior atenção possível ao fato de que todo tipo de ajuda financeira ao governo afegão - dominado como está pelos bandos da "Aliança do Norte" - vai ser usada principalmente para encher os bolsos dos líderes fundamentalistas, para manter suas máquinas de guerra funcionando e para fazer florescer o negócio da heroína.
Entre outras coisas, o texto da Constituição e a realização das eleições também são parte das promessas de Karzai. No entanto, enquanto ele, infelizmente, continuar sendo refém dos "Jamiat Islami" e de criminosos da mesma laia, enquanto a sombra sinistra desses traidores ainda pairar sobre o nosso povo e enquanto os cabeças do Jehadi não forem levados a julgamento, as ditas promessas vão continuar sendo apenas belas palavras ao vento. E, na realidade, a Constituição só vai lutar pela legitimação e legalização de suas traições e soberania sanguinária. Nosso povo tem a Loya Jirga diante dos olhos e sabe muito bem que ela se transformou num palco de demonstração de poder e num meio de impor os desejos e caprichos fundamentalistas com a presença desses assassinos e estupradores de mulheres de setenta e menininhas de sete anos. E a situação não vai melhorar em nada nessa Loya Jirga antidemocrática e cheia de inimigos do povo se a "Aliança do Norte" continuar mantendo sua existência sórdida fora do âmbito dos tribunais de justiça.
A experiência dos últimos 23 anos mostrou que os governos dos Estados Unidos e do Ocidente pensam basicamente em seus próprios interesses políticos em suas considerações a respeito dos direitos humanos. Depois do incidente terrorista de 11 de setembro, a reintegração dos criminosos religiosos em suas funções no governo do Afeganistão é o exemplo mais cristalino possível da negligência e descaso do Ocidente pelos direitos humanos, pelos direitos das mulheres e pela democracia em nosso país. Como esperar que esses elementos traiçoeiros se tornem "humanos" e "civilizados"?
Compatriotas enlutados,
Nós, mulheres e homens, só vamos fazer valer nossos direitos através de uma luta corajosa e organizada. A RAWA convoca todas as pessoas e grupos amantes da liberdade e antifundamentalistas para mostrar seu compromisso com os valores democráticos e os direitos das mulheres através de uma luta prática e decidida contra o fundamentalismo. Devemos denunciar as violações aos direitos humanos e valores democráticos dos criminosos que nos governam, e também não devemos permitir que os "direitos humanos" se transformem em um instrumento nas mãos dos fundamentalistas, com o qual eles venham a polir e embelezar seu rosto macabro.
Só com a aniquilação total dos traidores religiosos e não-religiosos é que vamos pôr um fim à catástrofe dos direitos humanos no Afeganistão.
Associação Revolucionária das Mulheres do Afeganistão (RAWA)
10 de dezembro de 2002