A Guerra das Mulheres

De todos os inimigos do Taliban, poucos se opunham a eles com algum tipo de compaixão, assim como as mulheres do Afeganistão em cuja sociedade, elas são tratadas um pouco melhores que os animais. Mas algumas, diz Raymond Whitaker, tem perdido suas vidas por lutarem por seus direitos.

Em um estádio de futebol em Kabul, uma mulher vestindo uma burka azul, coberta da cabeça aos pés, em que elas são forçadas pelo Taliban a usarem essas roupas no Afeganistão, é levada de um veículo para o estádio e forçada a se ajoelhar na marca do pênalti. Um soldado to Taliban mira com um rifle automático para a sua cabeça e atira, depois ele atira mais balas em seu corpo já estirado.

A morte em 1999 de Zarmeena, uma mãe de 7 crianças que suspostamente havia matado seu marido enquanto ele dormia, esta imagem foi vista por todo o mundo e agradeço a mulher que filmou isso na arquibancada naquele dia. Um grande risco para ela, ela contrabandeou uma câmera de vídeo digital e a levou para o estádio debaixo de sua burka e filmou toda a execução através de uma pequena fenda que havia em sua burka. Ela era um membro da RAWA, Associação Revolucionária das Mulheres do Afeganistão, ela também filmou amputações e apedrejamentos de mulheres.

Se o mundo quiser realmente capturar o suspeito e arqui-terrorista Osama Bin Laden, precisaria aprender algumas lições com essas mulheres. A RAWA é uma organização feminina que tem operado quase clandestinamente por mais de 20 anos sob a hostilidade dos comunistas, dos mujahedin, fundamentalistas islâmicos, do Taliban e próprios membros da família.

O feminismo nunca ganhou muito apoio no Afeganistão, o aprisionamento em massa das mulheres em todo o país pelo Taliban, as mulheres não podem conversar com estranhos dos sexo masculino, não podem deixar suas casas sem a presença de um homem de sua família, são violentadas se dão risadas em público ou outras "imodéstias" em público e certamente não são tratadas por um médico do sexo masculino -Isso tem sido a norma por séculos, no coração do movimento, as áreas Patanes do sul do Afeganistão.

Governantes tentaram já mudar estas tradições apesar do perigo. Na década de 20 o rei Amanullah, perplexo com as reformas de Ataturk na Turquia, chamou uma "Loya Jirga" ou "Grande Assembléia Tribal", a qual havia anunciado um programa de "moderzinação varredura". O clímax veio a tona quando o rei condenou a subjugação da mulher e chamou a sua rainha para remover o véu antes dos primogênitos reunidos. Chocados todos eles voltaram para casa e estimularam uma revolta, a qual o rei foi forçado a renunciar e a fugir de Kabul em seu Rolls-Royce.

Isso foi nos anos 50 antes que qualquer tentativa de liberalização fosse feita, mas mulheres desprovidas de véu corriam o risco de serem punidas com o arremesso de ácido em seus rostos pelos fanáticos islâmicos assim como Gulbuddin Hekmatyar, mais tarde o líder da mais feroz facção islâmica Mujahedin na guerra contra os invasores soviéticos. Em muitos aspectos Hekmatyar é mais moderno que o Taliban, ele apoia educação para as mulheres por exemplo, mas quando a RAWA foi fundada ele se tornou um dos mais duros inimigos, com resultados fatais para os membros da RAWA.

Ironicamente, a mais cuidadosa afegã desfrutou da liberdade do estilo de vida social sob o regime fantoche instalado por Moscou, que tentou dar a este lugar uma nova ordem revolucionária. As pessoas dificilmente acreditam em mim quando eu digo que visitei Kabul pela primeira vez em 1992, era possível ver jovens estudantes desprovidas de véu na cabeça, vestindo jeans e usando maquiagens e fumando nas ruas. Quando eu retornei em 1994 os comunistas haviam ido embora. A capital foi controlada pela base Mujahedin do norte, que foi o antecessor da Aliança do Norte, agora procurando ajuda internacional para derrubar o Taliban, e Hekmatyar estava bombardeando a cidade na tentativa de conseguir o poder. Mas as mulheres de classe média podiam ainda trabalhar e andar livremente usando apenas um lenço em suas cabeças.

No entanto para as menos privilegiadas irmãs, a estória era diferente. Elas se encontravam a mercê dos pouco educados camponeses que perderam todas as suas restrições na vida urbana de Kabul, sequestrando e estuprando mulheres sem serem punidos. As mulheres médicas e os empregados ficaram amedrontados quando o Taliban tomou o poder 5 anos atrás e forçaram todas elas a largarem os seus empregos e a usarem a burka, mas muitas outras estavam livres, pelo menos inicialmente.

A fundadora da RAWA, conhecida somente como Meena, nunca viveu para ver o Taliban. Ela fundou a organização em 1977, quando ela era uma estudante de 20 anos. Assim como outras mulheres de seu conhecimento elas não olharam com bons olhos a invasão soviética que aconteceu 2 anos depois. Ela imediatamente começou a organizar protestos de estudantes e professores somente para descobrir que aquela brutal batalha entre os invasores e os barbudos islâmicos que declararam uma guerra santa contra eles, não havia lugar para as feministas.

Meena foi para o exílio no Paquistão, mas como era de se esperar, ela também não estava salva ali. Ela foi assassinada em 1987 em Quetta, onde ela havia estabelecido uma clínica para mulheres; a sua organização acusa uma conspiração conjunta entre a KGB afegã e afegãos fundamentalistas exilados da facção islâmica Hekmatar Hizbe, que tinham os seus próprios motivos para matá-la.

Muitas das atividades da RAWA estão entre os dois milhões de mulheres afegãs refugiadas no Paquistão, onde elas gerenciam escolas para jovens crianças, assim como cursos de literatura e trabalhos artesanais para as mulheres. Os Membros no Ocidente ajudam a operar através do site (www.rawa.org) que inclui um clipe da execução de Zarmeena.

"Agradecemos a todos por visitarem a página das mulheres mais oprimidas do mundo".

Mesmo no Paquistão, a RAWA tem que ser cuidadosa. Sob constante molestamento e ameaças dos paquistaneses assim como os entusiastas afegãos, os membros só podem usar os seus primeiros nomes e usualmente se recusam a serem fotografadas. A website oferece um serviço telefônico em que uma chamada traz uma visita de Nida, uma mulher de 28 anos que é a diretora de educação da organização. Ela tem que ser acompanhada por um jovem.

Nida deixou o Afeganistão quando ela tinha 12 anos, mas ela retornou algumas vezes, muitas delas sob o domínio do Taliban. "Foi um choque" ela disse. "Eu nunca havia vestido uma burka na minha vida e andava com muita dificuldade, mas em Kabul, eu vi mulheres sentadas debaixo do sol quente, vendendo tudo que elas tinham para ganhar algum dinheiro. Se você é uma mulher sem um parente masculino, você não pode ir a lugar algum, mesmo ao médico e você tem que pintar as janelas da sua casa de preto".

"Eu ouvi dizer que o Taliban restaurou alguma ordem e disciplina em Kabul, mas eles roubaram a alma das pessoas. Eu tenho ouvido estórias, mas eu vi com meus próprios olhos, era inacreditável. Pessoas sentindo medo o tempo todo; se elas não fossem mortas por fome, foguetes ou doenças, elas sentiam medo de ser aprisionadas ou condenadas a morte por nenhuma razão. O Taliban diz que isso é a lei Islâmica, na verdade isso tudo é um exagero. Eles até mesmo dizem que as mulheres não podem usar novos burkas, mas somente velhos".

A RAWA continua a educar mulheres e crianças no Afeganistão, mas em pequenos grupos e sob as mais secretas condições. "É um negócio secreto", diz Nida. "Elas semprem guardam textos islâmicos em suas mãos, porque se algum Taliban entrar na escola de surpresa, elas dizem que estão estudando teologia Islâmica, e isto é permitido". No Paquistão, a organização não divulga o seu nome ou as suas atividades com medo de uma retaliação fundamentalista.

Os membros recebem frequentes pressões de seus próprios familiares. "Eles não consideram que é certo nós gastarmos noites longe de nossas casas para fazermos o nosso trabalho", diz Nida. "Mulheres comprometidas como eu dizemos aos maridos pretendentes que continuaremos o nosso trabalho mesmo depois de casadas e se eles não gostarem, nós não casamos com eles". Minha mãe me apoia e também o meu marido, ele não tem medo dos fundamentalistas.

"Nós estamos promovendo 2 batalhas: com as nossas famílias, para fazê-las entender que temos que trabalhar para o Afeganistão e com os fundamentalistas, que querem regredir o país. Isto é o porquê que queremos educar tanto meninos quanto meninas e na mesma classe: para ensiná-las sobre o progresso".

Meena era como o braço-forte e a organização que ela fundou foi acusada de ser Maoísta. Nida desmente e diz que isto é uma de muitas calúnias que a RAWA tem recebido. "Eles dizem que nós somos prostitutas e que dizemos as pessoas que enviem as crianças nas escolas para que possamos envenená-las. Somente minha família sabe que eu sou um membro da RAWA, senão minha vida estaria em perigo constante", diz Nida.

Qualquer coisa que aconteça no Afeganistão, ativistas como Nida enfrentam uma dura batalha. Hekmatyar está tentando voltar de seu exílio no Irã, a atitude que o Taliban tem perante as mulheres é medieval e a Aliança do Norte promete condições sociais como a de 30 anos atrás. Uma opção favorável da ONU seria de uma "Loya Jirga" presidida pelo rei, Zahir Shah, é improvável que tenha direitos da mulher na sua agenda, especialmente se o Taliban fazer parte do governo.

"Nó sabemos que nosso caminho é muito difícil e que levará muito tempo para mudar atitudes" diz Nida, "Mas nós nunca pararemos, estamos preparadas para fazer sacrifício atrás de sacrifício pelo Afeganistão".